O
arquipélago de Okinawa localiza-se quase que exatamente a meio caminho entre
Japão e China, no Mar da China Oriental. Por causa de sua posição geográfica, a
região sempre despertou a cobiça dos dois países, os quais não pouparam
esforços para estenderem suas influências (culturais e econômicas), tornando a
existência de um governo local submetida à conjugação de interesses e políticas
externas. A influência chinesa era considerável, e alguns praticantes de artes
marciais oriundos daquele país chegaram a Okinawa.
Apesar
da circunstância de gravitar em torno da influência sino-japonesa, sucedeu na
história de Okinawa, entre 1322 e 1429, um período denominado de 三山時代 - Sanzan-jidai (período
dos três montes) quando que se digladiaram os três reinos de 北山 - Hokuzan (Monte
Setentrional), 中山 - Chuzan (Monte Central) e
南山 - Nanzan (Monte Meridional) pelo controle da região. Tal
período acabou com a unificação sob a bandeira do reino de Ryukyu e sob o
comando de 中山 - Chuzan, que era o mais forte
economicamente, inaugurando a primeira dinastia Sho: de Sho Hashi. Nessa época,
influência chinesa consolidou-se como a mais predominante das duas e isso se
refletiu na estrutura administrativa do reino e em outros aspectos culturais.
Após
a unificação e no fito de conter eventuais sentimentos de revolta, o rei Sho
Hashi promulgou um edital que tornou proibido o porte de quaisquer armas por
parte da população civil. Este fato é considerado o marco principal do processo
evolutivo que veio a culminar no desenvolvimento Karate, posto que já existisse
em Okinawa uma arte marcial própria, a medida régia imposições um ritmo
diferente, pelo que, devido à necessidade de as pessoas terem uma forma de
defesa pessoal e em razão da proibição real, aquelas técnicas foram-se
aperfeiçoando.
Fruto
também da proibição do porte de armas foi o desenvolvimento do das técnicas do Kobudo,
outra forma da arte marcial de Okinawa que transformou o uso de objetos do
cotidiano em armas, como a Tonfa e o Nunchaku, por exemplo, que eram
originalmente eram instrumentos de trabalho, para manuseio de moinho e debulhamento
de arroz.
A
sociedade japonesa, possuindo uma classe guerreira, era há muito conhecedora de
disciplinas de combates com e sem armas. No seio das famílias e/ou clãs
fomentaram-se formas de combate, os chamados Koryu, transmitidos somente
internamente. Entretanto, o que importa é que houve certa troca de
conhecimentos, posto que muito velada, e que essas artes evoluíram para atender
exatamente às necessidades dos grupos que as usavam.
Essa
peculiaridade, de existir uma classe nobre guerreira, impingiu à nascente arte
do Karate um carácter subalterno, de exórdio, pois se desenvolveu precipuamente
nas camadas mais pobres da população, que sobreviviam de atividades agrícolas e
de pesca, haja vista que as classes de guerreiros, tal e qual sucedia na China
e Japão, não difundiam suas disciplinas de combate fora de seu estreito
círculo. De qualquer modo, a classe guerreira (existente em Okinawa, eram os Peichin,
uma classe guerreira muito semelhante aos Samurais) que acabou por se render às
técnicas de luta desarmada.
O
que viria a ser o Jujutsu japonês (não Jiu Jitsu) surgiu para capacitar o Samurai
para a luta desarmada, mas usando armadura, pelo que não era racional utilizar
ostensivamente de pontapés e socos, mas sim projeções e estrangulamentos. Por conseguinte,
o que se desenvolveu em Ryukyu visava justamente ao combate desarmado, que se
poderia dar em qualquer lugar sem que os contendores estivessem a usar um traje
específico para isso, mas poderia coincidir de se enfrentar guerreiros com
armadura, pelo que socos e pontapés eram menos interessantes, isso aliado ao
condicionamento de mãos e pés para serem instrumentos de ataques fulminantes.
A
independência do reino de Ryukyu sofreu duro golpe quando, em 1609, quando o
clã Samurai de Satsuma, com aprovação do imperador do Japão, subjugou o
arquipélago. Por ocasião da invasão, os samurais encontraram pouco ou nenhuma
resistência, porque, dadas as circunstâncias, o rei declarou que a vida é o
mais importante tesouro e recomendou que a população das ilhas não revidasse à
agressão estrangeira. Okinawa passou a ser um estado tributário do Japão e da China,
mas, contrário ao cenário anterior, com predomínio nipônico, que expôs a
cultura local e influenciou sobremaneira o desenvolvimento das artes marciais,
sob os valores da classe guerreira. Naquele momento, o clã Satsuma introduziu
sua própria disciplina, o Jigen-ryu.
Antes
das influências chinesas e nipônicas, já existia uma espécie de luta desarmada
e nativa de Okinawa, que era praticada abertamente, chamada de Mutô, cujo
embate começava com empurrões muito parecidos com os de Sumô, depois,
seguindo-se com aplicação de golpes de arremesso e torção. Vencia o combate àquele
que derrubasse ou submetesse o adversário. Era uma prática cujo fito mor era
recreativo, mas que, segundo alguns autores e mestres, teria sido a semente do Karate,
que foi então paulatinamente sendo moldado e modificado sob as influências do
boxe chinês (Kenpo).
Em
meados do século XVII, uma arte marcial desenvolvida em Okinawa sem armas já
era estabelecida, sendo conhecida por "手 – Tê ou Ti". Também é
referida como a arte das mãos de Okinawa, 沖縄手 - Okinawa-te, em Okinawa
no dialeto local também era conhecido como: Uchinaadi, quando surgiu a figura
de Matsu Higa, renomado mestre de Te e perito em Kobudo e também expert no
estilo chinês de Kenpo Chuan Fa, que teria aprendido com mestres chineses. Mas
já nesse tempo, a arte marcial já vinha evoluindo em três formas distintas,
radicadas nas três cidades que as nomearam, Naha-te, Tomari-te e Shuri-te.
Acredita-se
que Sensei Matsu Higa tenha sido dentro de seu estilo próprio, o primeiro a
estabelecer um conjunto formal de técnicas e chamá-lo de Te.
A
principio destacaram-se mais os estilos de Shuri, por ser a capital, e de Naha,
por ser uma cidade portuária e mais importante entreposto comercial de
Okinawa. Entretanto, posto
que tivesse menor relevo no cenário da época, por ser, normalmente uma cidade
de trabalhadores, pescadores e campesinos, Tomari, devido à exatamente suas
características, desenvolveu o estilo peculiar e muitas vezes erradamente
confundido com o estilo de Shuri. Ademais, em que pese cada um das cidades ter
seu estilo próprio, elas compartilhavam informações entre os praticantes.
Na
linhagem do estilo shuri-te, caracterizado pelas posturas corporais naturais e
por movimentos lineares de deslocamento e de golpes, seguiram-se a Sensei Matsu
Higa, mais ou menos numa linha de mestre e aprendiz, e os mestres Peichin
Takahara, Kanga Sakukawa e Sokon Matsumura.
Com
mestre Takahara, já por influência japonesa, o Te vem a receber os três
princípios que culminariam com a transformação da técnica numa disciplina muito
maior já na transição do século XIX para o século XX.
Ainda
no século XVII, o Te sofria fortes influências desde a China. Mestre Sakukawa,
por sugestão de Peichin Takahara, foi aprender com um mestre Chinês conhecido
como Kushanku, mestre de Kenpo Chuan Fa, diretamente no continente. Tais
características não passaram despercebidas e calharam em que a arte marcial
passou a se chamar 唐手 - Tode ou Todi (mão
chinesa), ou ainda 徒手空拳 - Toshukuken e ou 徒手術 - Toshu-jutsu.
Enquanto
isso, em Tomari, seu estilo adquiria uma característica mais acrobática. Os
principais expoentes da região foram os mestres Karyu Uku e Kishin Teryua, que
deixariam seu legado a Kosaku Matsumora. Em Naha, o Te evoluía numa direção
diversa, com movimento de extrema contração, golpes de curto alcance e
condicionamento do corpo para absorção de golpes, tudo conjugado a técnicas de
respiração (Ibuki).
Sob
o período de Sokon Matsumura, o Tode passou a ter um treinamento mais
formalizado com a compilação de uma série mais ou menos fechada de katas e,
principalmente, rompeu-se a barreira das classes sociais. Com Matsumura, que
fazia parte da elite guerreira e da corte de rei Sho Ko e sucessores, o Tode, praticado,
normalmente pelas classes trabalhadoras, passou a ser uma arte militar
reconhecida.
Por
essa época, ficaram famosos, e quase lendários, os contos sobre as proezas dos
artistas marciais de Okinawa, como as do mestre de Tomari-te, Kosaku Matsumora,
que desarmado derrotou um Samurai. Assim, o Te era conhecido também por 神秘 唐手 - Shimpi Tode (misteriosa
mão chinesa) ou霊妙 唐手 - Reimyo Tode (etéreo-miraculosa
mão chinesa).