domingo, 2 de abril de 2023

CAMINHO DAS MÃOS VAZIAS

 


Os esforços de Itosu, a despeito de não gerarem os efeitos almejados, frutificaram nas mãos de seus alunos. Por exemplo, o Mestre Kenwa Mabuni, como forma de tributo, sistematizou todos os ensinamentos aprendidos no estilo Shito-ryu, que pretende fundir os estilos Shuri-te e Naha-te e com isso veio a preservar muitas variações de kata; o Mestre Choshin Chibana, em seu tempo, compilou seu conhecimento no estilo Kobayashi-ryu, pretendendo preservar as exatas formas por ele aprendidas de Matsumura e Itosu.

 

Entretanto, aproveitando o interesse no Karate, principalmente depois da vitória do mestre Choki Motobu sobre o lutador russo, coube a Gichin Funakoshi lograr grande êxito no objetivo do mestre Itosu, isto é, difundir o Karate como desporto e nativo da cultura japonesa. Fundamental também foi o empenho de outros grandes mestres, como Mabuni, Miyagi, Motobu etc., que não podem ser considerados no arrabalde. Esses esforços não podem ser olvidados porque criaram a ambiência em que Funakoshi logrou êxito em difundir o Karate pelo arquipélago japonês. As técnicas do estilo iniciado por Funakoshi baseiam-se no Karate de Itosu, mas dando mais ênfase ao aspecto formativo da personalidade, característica que ficou impressa nas demais linhagens surgidas naquele momento.

 

A divulgação não aconteceu sem resistência. A despeito de vários pedidos para a não exibição de vários mestres que não viam com bons olhos o movimento, Funakoshi levou o Karate até o sistema público de ensino, com a ajuda de seu mestre Anko Itosu e, em pouco tempo, a arte marcial já fazia parte do currículo escolar como disciplina físico-esportiva, dando um impulso extraordinariamente grande, com o Karate sendo praticado em vários locais e sendo bastante apreciado e valorizado localmente.

 

Entre 1902 e 1915, Sensei Funakoshi viajou com seus melhores alunos por toda Okinawa realizando demonstrações públicas de Karate e calhou de o inspetor de Educação do conselho, Shintaro Ogawa, estava particularmente interessado no processo seletivo para ingresso nas forças armadas, preocupado em obter um bom grupo, composto por jovens de boas índoles (valores) e boa compleição. Ogawa ficou impressionado, que escreveu ao continente dando as novas.

 

Sucedeu de o almirante Rokuro Yashiro assistir a uma daquelas demonstrações, explicadas por Funakoshi, enquanto seus alunos executavam kata, quebravam telhas e faziam outras proezas, que expunham a eficácia do condicionamento físico. O almirante ficou muito impressionado e ordenou que seus homens que iniciassem o treinamento de imediato. Sucedeu também de, em 1912, a comando de o Almirante Dewa escolher doze de seus homens para treinarem Karate por uma semana, enquanto estivessem ancorados nas imediações. As novas levadas por esses dois oficiais levaram o Karate a ser mais comentado no Japão.

 

E no desenrolar dos acontecimentos, calhou de, em 1921, o então príncipe herdeiro e futuro imperador Hirohito assistiu a uma dessas demonstrações, pelo que ficou admirado e pediu a feitura de um evento nacional em Tóquio, realizado em 1922. O evento foi muito bem sucedido e ocasionou de o mestre Funakoshi ser coberto de convites para apresentar sua arte e um desses convites foi feito por Jigoro Kano, para ser feito no instituto Kodokan.

 

Durante o evento, que levantou a plateia, mestre Funakoshi foi convencido a permanecer no Japão e, com a ajuda de Jigoro Kano, de que se tornou amigo íntimo, o Karate foi difundido.

 

O mestre sabia que haveria de surgir enorme oposição, haja vista que naquele período da história das relações entre Japão e China não era dos melhores. Ainda era muito recente a lembrança da Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894–1895). E até o fim da Segunda Guerra Mundial e da Segunda Guerra Sino-Japonesa, com a rendição do Japão perante os Aliados, ocorreram vários incidentes belicosos.

 

Tais circunstâncias levavam à conclusão de que uma arte marcial de origem chinesa seria certamente repudiada, pelo que a mudança da arte para o 空手道 - Karate-Do (caminho das mãos vazias), isto é, com o acréscimo do sufixo “Do”, como se deu com muitas das artes marciais praticadas no Japão. A partícula do significa caminho, palavra que é análoga ao familiar conceito de Tao. Daí que o Karate deixou de ser encarado apenas em seu aspecto técnico, ou Jutsu, para serem realçados o filosófico e o físico (educacional).

 

Por outro lado, o Karate beneficiou-se de uma perspectiva que existia, a de que a luta nativa de Okinawa, aí incluso o seu Kobudo (manipulação de armas), era simplesmente uma forma de Jujutsu ou Koryu. Assim se pensava porque tanto os vários estilos de Jujutsu (a exemplo de Takenouchi-ryu, Daito-ryu etc.) japoneses quanto o Okinawa valiam-se das mesmas formas técnicas (luta desarmada, principalmente), diferenciando-se apenas no foco e no treinamento, ou seja, nada de estranho, se comparado à tradição Samurai. Denominava-se o Karate de Tejutsu, o que reforçava esse aspecto.

 

Entrementes, a proposição de Mestre Itosu, pela escrita do nome da arte marcial como Karate-Do foi objeto de debate em 1936, e mestres na época acordaram que seria a melhor escolha, o que refletira a unidade do Karate e sua originalidade, posto que houvesse sofrido diversas influências de fora.

Do modo como se desenvolveu, um elemento da cultura japonesa, o Karate  está imbuído de certos elementos do Zen-budismo, sendo que sua prática algumas vezes é chamada de "zen em movimento". As aulas frequentemente começam e terminam com curtos períodos de meditação. Também a repetição de movimentos, como a executada no kata, é consistente com a meditação zen pretendendo maximizar o autocontrole, a atenção, a força e velocidade, mesmo em condições adversas. A influência do zen nesta arte marcial depende muito da interpretação de cada instrutor.

Devido aos esforços de Funakoshi o Karate passou a ser ensinado nas universidades de Shoka, Takushoku, Waseda e Faculdade de Medicina.

 

A modernização e sistematização do Karate no Japão também incluiu a adoção do uniforme branco (Kimono ou Karate Gi) e de faixas coloridas indicadoras do estágio alcançado pelo aluno, ambos criados e popularizados por Jigoro Kano, fundador do judô.

 

As contribuições de Jigoro Kano não se limitam ao uniforme de treinamento e à padronização das graduações, mas vão até as técnicas, que foram compiladas dentro do estilo Shotokan. O conceito de do, posto que presente haja muito tempo, foi de certa forma reinterpretada segundo suas ideias.

 

Depois que Funakoshi demonstrou o Karate, outros mestres de Okinawa seguiram pela mesma trilha e se foram, no fito de conseguir novos alunos e divulgar ainda mais. Um daqueles mestres era Kenwa Mabuni, que se fixou em  Osaka e, no ano de 1931, criou a Dai-Nihon Karate-do Kai, para dar apoio a seu estilo, que foi registrado, primeiro como Hanko-ryu, e, depois, Shito-ryu.

 

Entrementes, somente durante a década de 1930 foi que a Associação Japonesa de Artes Marciais, Butoku-kai, reconheceu oficialmente o caratê como arte marcial nipônica e requereu que todas as escolas fizessem registro na entidade, exigindo para esse registro que cada uma delas indicasse os nomes de seus estilos.

 Em maio de 1949, alguns discípulos de Funakoshi criaram uma associação cujo escopo principal seria a promoção do caratê. O nome dado foi 日本 空手 協会 - Nihon Karate Kyokai (Japan Karate Association - JKA, Associação Japonesa de Karate), e o primeiro presidente foi Saigo Kichinosuke, membro da Câmara Alta do Japão, neto de Saigo Takamori (o ultimo samurai), um dos maiores heróis do Japão Meiji.

 

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Karate tornou-se popular na Coreia do Sul sob os nomes Tangsudo ou Kongsudo quando a pratica do Tae-kwon-do foi proibida pelos japoneses após sua invasão.

 

Após a Segunda Guerra Mundial, o mestre Funakoshi com seus alunos conseguiram que o Ministério da Educação classificasse o Karate como educação física e não como arte marcial, tornando possível seu ensino, durante a ocupação do Japão. Depois dos Estados Unidos o caratê foi difundido pela Europa e o mundo.

 

ATUALIDADES

 

Posto que mestre Funakoshi pregasse que o Karate era uma arte marcial única, que as variações nas formas, nos estilos, deviam-se precipuamente às idiossincrasias e que jamais denominou sua linhagem de estilo, ainda durante sua existência e persistindo até os dias atuais, o que sucedeu foi uma proliferação de estilos, escolas e linhagens diferentes.

 

A grande variedade de estilos e escolas, se por um lado facilita essa disseminação, por outro, causou enormes dissensões e cisões entre entidades e representantes. Muitas vezes, o que motivou a cisão foram disputas políticas e/ou ideológicas.

 

Depois de criada por discípulos de Funakoshi, a quem aclamaram como líder, em 10 de abril de 1957, a JKA ganhou a condição de entidade oficial, mas, cerca de duas semanas depois, o grande mestre faleceu com a idade de 89.


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