domingo, 2 de abril de 2023

沖縄 - OKINAWA E A ARTE MARCIAL CHINESA


O arquipélago de Okinawa localiza-se quase que exatamente a meio caminho entre Japão e China, no Mar da China Oriental. Por causa de sua posição geográfica, a região sempre despertou a cobiça dos dois países, os quais não pouparam esforços para estenderem suas influências (culturais e econômicas), tornando a existência de um governo local submetida à conjugação de interesses e políticas externas. A influência chinesa era considerável, e alguns praticantes de artes marciais oriundos daquele país chegaram a Okinawa.

 

Apesar da circunstância de gravitar em torno da influência sino-japonesa, sucedeu na história de Okinawa, entre 1322 e 1429, um período denominado de 三山時代 - Sanzan-jidai (período dos três montes) quando que se digladiaram os três reinos de 北山 - Hokuzan (Monte Setentrional), 中山 - Chuzan (Monte Central) e 南山 - Nanzan (Monte Meridional) pelo controle da região. Tal período acabou com a unificação sob a bandeira do reino de Ryukyu e sob o comando de 中山 - Chuzan, que era o mais forte economicamente, inaugurando a primeira dinastia Sho: de Sho Hashi. Nessa época, influência chinesa consolidou-se como a mais predominante das duas e isso se refletiu na estrutura administrativa do reino e em outros aspectos culturais.

 

Após a unificação e no fito de conter eventuais sentimentos de revolta, o rei Sho Hashi promulgou um edital que tornou proibido o porte de quaisquer armas por parte da população civil. Este fato é considerado o marco principal do processo evolutivo que veio a culminar no desenvolvimento Karate, posto que já existisse em Okinawa uma arte marcial própria, a medida régia imposições um ritmo diferente, pelo que, devido à necessidade de as pessoas terem uma forma de defesa pessoal e em razão da proibição real, aquelas técnicas foram-se aperfeiçoando.

 

Fruto também da proibição do porte de armas foi o desenvolvimento do das técnicas do Kobudo, outra forma da arte marcial de Okinawa que transformou o uso de objetos do cotidiano em armas, como a Tonfa e o Nunchaku, por exemplo, que eram originalmente eram instrumentos de trabalho, para manuseio de moinho e debulhamento de arroz.

 

A sociedade japonesa, possuindo uma classe guerreira, era há muito conhecedora de disciplinas de combates com e sem armas. No seio das famílias e/ou clãs fomentaram-se formas de combate, os chamados Koryu, transmitidos somente internamente. Entretanto, o que importa é que houve certa troca de conhecimentos, posto que muito velada, e que essas artes evoluíram para atender exatamente às necessidades dos grupos que as usavam.

 

Essa peculiaridade, de existir uma classe nobre guerreira, impingiu à nascente arte do Karate um carácter subalterno, de exórdio, pois se desenvolveu precipuamente nas camadas mais pobres da população, que sobreviviam de atividades agrícolas e de pesca, haja vista que as classes de guerreiros, tal e qual sucedia na China e Japão, não difundiam suas disciplinas de combate fora de seu estreito círculo. De qualquer modo, a classe guerreira (existente em Okinawa, eram os Peichin, uma classe guerreira muito semelhante aos Samurais) que acabou por se render às técnicas de luta desarmada.

 

O que viria a ser o Jujutsu japonês (não Jiu Jitsu) surgiu para capacitar o Samurai para a luta desarmada, mas usando armadura, pelo que não era racional utilizar ostensivamente de pontapés e socos, mas sim projeções e estrangulamentos. Por conseguinte, o que se desenvolveu em Ryukyu visava justamente ao combate desarmado, que se poderia dar em qualquer lugar sem que os contendores estivessem a usar um traje específico para isso, mas poderia coincidir de se enfrentar guerreiros com armadura, pelo que socos e pontapés eram menos interessantes, isso aliado ao condicionamento de mãos e pés para serem instrumentos de ataques fulminantes.

 

A independência do reino de Ryukyu sofreu duro golpe quando, em 1609, quando o clã Samurai de Satsuma, com aprovação do imperador do Japão, subjugou o arquipélago. Por ocasião da invasão, os samurais encontraram pouco ou nenhuma resistência, porque, dadas as circunstâncias, o rei declarou que a vida é o mais importante tesouro e recomendou que a população das ilhas não revidasse à agressão estrangeira. Okinawa passou a ser um estado tributário do Japão e da China, mas, contrário ao cenário anterior, com predomínio nipônico, que expôs a cultura local e influenciou sobremaneira o desenvolvimento das artes marciais, sob os valores da classe guerreira. Naquele momento, o clã Satsuma introduziu sua própria disciplina, o Jigen-ryu.

 

Antes das influências chinesas e nipônicas, já existia uma espécie de luta desarmada e nativa de Okinawa, que era praticada abertamente, chamada de Mutô, cujo embate começava com empurrões muito parecidos com os de Sumô, depois, seguindo-se com aplicação de golpes de arremesso e torção. Vencia o combate àquele que derrubasse ou submetesse o adversário. Era uma prática cujo fito mor era recreativo, mas que, segundo alguns autores e mestres, teria sido a semente do Karate, que foi então paulatinamente sendo moldado e modificado sob as influências do boxe chinês (Kenpo).

 

Em meados do século XVII, uma arte marcial desenvolvida em Okinawa sem armas já era estabelecida, sendo conhecida por " – Tê ou Ti". Também é referida como a arte das mãos de Okinawa, 沖縄手 - Okinawa-te, em Okinawa no dialeto local também era conhecido como: Uchinaadi, quando surgiu a figura de Matsu Higa, renomado mestre de Te e perito em Kobudo e também expert no estilo chinês de Kenpo Chuan Fa, que teria aprendido com mestres chineses. Mas já nesse tempo, a arte marcial já vinha evoluindo em três formas distintas, radicadas nas três cidades que as nomearam, Naha-te, Tomari-te e Shuri-te.

 

Acredita-se que Sensei Matsu Higa tenha sido dentro de seu estilo próprio, o primeiro a estabelecer um conjunto formal de técnicas e chamá-lo de Te.

 

A principio destacaram-se mais os estilos de Shuri, por ser a capital, e de Naha, por ser uma cidade portuária e mais importante entreposto comercial de Okinawa. Entretanto, posto que tivesse menor relevo no cenário da época, por ser, normalmente uma cidade de trabalhadores, pescadores e campesinos, Tomari, devido à exatamente suas características, desenvolveu o estilo peculiar e muitas vezes erradamente confundido com o estilo de Shuri. Ademais, em que pese cada um das cidades ter seu estilo próprio, elas compartilhavam informações entre os praticantes.

 

Na linhagem do estilo shuri-te, caracterizado pelas posturas corporais naturais e por movimentos lineares de deslocamento e de golpes, seguiram-se a Sensei Matsu Higa, mais ou menos numa linha de mestre e aprendiz, e os mestres Peichin Takahara, Kanga Sakukawa e Sokon Matsumura.

 

Com mestre Takahara, já por influência japonesa, o Te vem a receber os três princípios que culminariam com a transformação da técnica numa disciplina muito maior já na transição do século XIX para o século XX.

 

Ainda no século XVII, o Te sofria fortes influências desde a China. Mestre Sakukawa, por sugestão de Peichin Takahara, foi aprender com um mestre Chinês conhecido como Kushanku, mestre de Kenpo Chuan Fa, diretamente no continente. Tais características não passaram despercebidas e calharam em que a arte marcial passou a se chamar 唐手 - Tode ou Todi (mão chinesa), ou ainda 徒手空拳 - Toshukuken e ou 徒手術 - Toshu-jutsu.

 

Enquanto isso, em Tomari, seu estilo adquiria uma característica mais acrobática. Os principais expoentes da região foram os mestres Karyu Uku e Kishin Teryua, que deixariam seu legado a Kosaku Matsumora. Em Naha, o Te evoluía numa direção diversa, com movimento de extrema contração, golpes de curto alcance e condicionamento do corpo para absorção de golpes, tudo conjugado a técnicas de respiração (Ibuki).

 

Sob o período de Sokon Matsumura, o Tode passou a ter um treinamento mais formalizado com a compilação de uma série mais ou menos fechada de katas e, principalmente, rompeu-se a barreira das classes sociais. Com Matsumura, que fazia parte da elite guerreira e da corte de rei Sho Ko e sucessores, o Tode, praticado, normalmente pelas classes trabalhadoras, passou a ser uma arte militar reconhecida.

 

Por essa época, ficaram famosos, e quase lendários, os contos sobre as proezas dos artistas marciais de Okinawa, como as do mestre de Tomari-te, Kosaku Matsumora, que desarmado derrotou um Samurai. Assim, o Te era conhecido também por 神秘 唐手 - Shimpi Tode (misteriosa mão chinesa) ou霊妙 唐手 - Reimyo Tode (etéreo-miraculosa mão chinesa).

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